21/05/2014
às 11:21 \ SindicalismoLiberdade sindical já!
Não vem ao caso, aqui, defender ou não as recentes greves, muito menos a forma como foram feitas, no caso paulista com motoristas abandonando os ônibus no meio das ruas. Mas tudo isso chama a nossa atenção para algo mais importante: grande parte dos trabalhadores desses setores não enxerga mais nos seus sindicatos um legítimo representante de seus interesses. Há uma clara crise de representatividade.
Os movimentos são dissidências sindicais, o que indica que vários trabalhadores cansaram do peleguismo, das mamatas dos líderes dos sindicatos, que muitas vezes, em conluio com o governo, lutam por seus próprios interesses, não o dos trabalhadores. Isso sem falar da corrupção, da enorme quantidade de sindicalista rico por aí, ou que utiliza seu posto apenas como trampolim para sua própria carreira política. Quantos deputados hoje foram sindicalistas ontem?
O caso reforça claramente a necessidade de uma reforma sindical, cuja prioridade é abolir o absurdo “imposto sindical”. Toda adesão deve ser voluntária, justamente para garantir que apenas sindicatos que efetivamente trabalhem em prol dos trabalhadores sobrevivam. E o único teste para verificar isso é tornando a relação entre trabalhador e sindicato estritamente voluntária. O cordão umbilical entre sindicatos e governo precisa ser cortado já. A verba sindical deve vir apenas da contribuição voluntária dos seus membros.
Escrevi há alguns anos um artigo para o jornal GLOBO sobre o assunto, mostrando como a situação piorou durante o governo do PT. O peleguismo e a simbiose entre sindicatos e governo foram tão grandes que não é absurdo falar em uma República Sindical. Tal modelo só atende aos interesses dos políticos e lideranças sindicais, não dos trabalhadores “representados” por esses sindicatos. Segue o texto:
República Sindicalista
Nunca antes na história deste país sindicalistas ocuparam tantos postos-chave no governo. Eis o que sugere a pesquisa realizada por Maria Celina D’Araújo, no livro “A Elite Dirigente do Governo Lula”. Sem critérios bem definidos, com falta de transparência nos processos de seleção, o governo indica diretamente dezenas de milhares de cargos importantes. O resultado foi o enorme aparelhamento da máquina estatal pelos sindicalistas petistas.
Os interesses partidários acabam prevalecendo na hora de nomear os ocupantes dos cargos no Estado. No governo Lula, esta função foi concentrada na Casa Civil, sob o comando do então ministro José Dirceu. Mais de 20 mil destes postos pertencem aos níveis mais altos de hierarquia. Esta quantidade representa um aumento de quase 50% em relação ao governo anterior. A pesquisa se concentrou nestas pessoas, para saber quem representa a verdadeira elite do governo.
Chama à atenção a quantidade de gente filiada ao PT nestes cargos mais importantes: dos que apresentam filiação partidária, aproximadamente 80% são do partido do presidente. Compreende-se que cargos de confiança sejam destinados aos indivíduos mais próximos do presidente e do ministro. Mas como fica a questão da capacitação técnica quando uma maioria tão expressiva é reservada apenas aos membros do partido do presidente? Isto não limita absurdamente a chance de se encontrar pessoas realmente à altura de exercer funções administrativas no Estado?
Mais de 40% da amostra analisada têm filiação sindical e envolvimento com movimentos “sociais”, mais que o dobro da parcela apresentada pela população de trabalhadores em geral. Esses dados levantam claramente o risco de captura dos representantes sindicais pelas esferas estatais, uma simbiose que prejudica o exercício independente de cada função. Como coloca a autora, “apesar de um discurso modernizador, houve o fortalecimento da unicidade sindical, das centrais sindicais e da estrutura sindical corporativa criada nos anos 1930 por Getúlio Vargas”.
Isto explica porque a tão necessária reforma trabalhista nunca saiu do papel durante o governo Lula, apesar de sua declaração, em 2003, de que faria a reforma na estrutura sindical “para acabar com o peleguismo neste país”. O que se viu foi apenas a manutenção do nefasto imposto sindical, ainda mais concentrado nas centrais. A autora lamenta que “o modelo sindical e de relações industriais concebido na era Vargas permaneceu praticamente intocado”. E este modelo, vale lembrar, era claramente inspirado no fascismo de Mussolini.
Na comemoração do Dia do Trabalho, esta relação perigosa entre governo e sindicatos ficou bastante evidente. Com verbas milionárias de estatais, as festas das centrais sindicais fizeram campanha deslavada para a candidata do PT, com o agravante de total desrespeito às leis eleitorais do país, principalmente por parte do próprio presidente Lula. Vale tudo para manter o poder e as benesses do Estado.
A infiltração dos sindicatos ligados ao PT no Estado foi assustadora. Os bilionários fundos de pensão também foram bastante politizados, e o mesmo ocorreu com as estatais, as agências reguladoras, os institutos de pesquisas, e até a Receita Federal. As oligarquias sindicais, que concentram privilégios em alguns poucos grupos organizados, transformaram o Brasil numa verdadeira República Sindicalista, para a infelicidade dos que pagam a pesada conta. Muita monarquia já parece uma barganha perto do nosso sindicalismo. Tudo isso, naturalmente, em nome do interesse dos trabalhadores.
Rodrigo Constantino
Tags: greves, Maria Celi
Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo-constantino/sindicalismo/liberdade-sindical-ja/